A brincadeira (Aula 3)
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No encontro do dia 24 de Março, foi discutida a cultura evolucionista de caráter colonizador que considera que os de mais não têm cultura. Cultura determinista: diferenças sociais são determinadas pelas diferenças culturais. Relativista: a atividade humana individual deve ser interpretada dentro do contexto de sua própria cultura. Interpretativismo: cada indivíduo tem sua cultura que regula as relações sociais.
Discutiu-se que a significação das coisas é fruto de disputas de poder para determinação simbólica de determinada referência no processo cultural.
A brincadeira não é só para as crianças, envolve liberdade e espontaneidade, a aprendizagem é horizontal, se dá através da repetição e pode ser sazonal. Elas devem ser o mais livre possível, deixando as crianças conduzi-las, desde que não machuquem ou humilhem, e caso haja algum problema, o educador deve estar ciente e criar condições para solucioná-lo.
As brincadeiras são práticas culturais. Essas circulam entre as crianças, o adulto não as ensina para as crianças. As regras são reformuladas e ajustadas a situações diversas. Essa prática tem característica universal e diversa. É uma cultura transmitida de geração em geração
A brincadeira, por ser, em determinados casos, específica (quanto às regras e a forma de brincar de determinadas estereotipias) e também por tomar formas adaptadas e universais, ou seja, idiossincrática ou universal e é dialética no campo bio-psico-social.
Neste sentido a criança é agente de transmissão, elaboração e recriação das brincadeiras. A heterogeneidade de idade nas relações permite o aprendizado de diversas brincadeiras.
A brincadeira desenvolve e trabalha vários aspectos físicos, cognitivos, porém a pedagogização dessas atividades nem sempre é possível e nem sempre tem que ser.
Um elemento motivacional para as brincadeiras pode vir a ser a competitividade, pois sem esse fator a brincadeira pode perder o sentido ou ser considerada monótona. Outro fator pode ser o medo lúdico em brincadeiras de fuga, perseguição, entre outras que não são perigos reais, mas podem ser vividos e representados.
Nem todas as brincadeiras são positivas e boas, existem as que humilham, machucam, maltratam. Um exemplo são brincadeiras em que acontece violência física ou psicológica.
Hoje muitos educadores ainda concebem a brincadeira como estratégia didático-pedagógica. O brincar é uma transformação da realidade, implica em decisões, procedimentos, regras e conteúdos socializados com os demais, se o professor a propõe, ele pode interferir no processo livre de formação do sujeito na vivência social lúdica. A brincadeira só de fato brincadeira se é de livre escolha da criança.
Uma Brincadeira conduzida pelo educador pode não estar inserida no campo cultural da criança e assim, dificilmente os brincantes serão incitados a pensar a sociedade através dessa experiência. A atividade deve respeitar a cultura lúdica infantil, compreendendo que o brincar é importante para a criança.
A brincadeira deve ser vista como artefato cultural, dimensão simbólica presente nos significados compartilhados por um determinado grupo, como prática social.
Respeitando o aparato cultural das brincadeiras conhecidas pela comunidade escolar, o educador pode mapear estas informações e à partir delas, questionar: O que é necessário para usufruir dessa prática corporal? É possível extrair “elementos educativos” e articulá-los com o projeto político-pedagógico da escola? Quais modificações devem ser implementadas a fim de ressignificar as brincadeiras identificadas? De que forma? Onde podemos vivenciar essa prática? Como?
Ao trabalhar com as brincadeiras impregnadas na cultura, professor e crianças lidarão com questões referentes aos papéis de gênero, classe e etnia, podendo, mediante a reflexão e o diálogo, desmistificá-los. Os incômodos percebidos não podem ser menosprezados.
Na prática pesquisar o universo da cultura lúdica da comunidade, problematizar as brincadeiras, vivenciar as brincadeiras, intercambiar representações sobre as mesmas, aprofundar e ampliar os conhecimentos sobre as brincadeiras pode ser o meio para um currículo cultural.
Reflexão: as brincadeiras trabalhadas em aula precisam levar em conta o conhecimento e a cultura dos brincantes. A preocupação com o desenvolvimento de aptidões não é um foco para o currículo cultural. O que entra em cena é a riqueza da diversidade cultural compartilhada e o respeito às identidades culturais envolvidas. O brincar livre na perspectiva cultural é uma forma de abarcar esta questão sem limitar ou direcionar o desenvolvimento que esta prática proporciona.
As práticas corporais de diferentes culturas enriquecem o conhecimento de grupo gerando respeito e consciência sobre as diversidades. Quando se direciona a atividade de forma impositiva, dificilmente as reflexões sociais e culturais aparecem com tanta riqueza em comparação ao trabalho com atividades livres de interação cultural.
Esse aspecto é extremamente importante na reflexão sobre as práticas com as crianças de hoje, quando o que mais se busca é pedagogizar a grande maioria das práticas dentro da escola em currículos hegemônicos que geram o daltonismo cultural.
Quando vivenciamos as práticas corporais nas aulas do professor Neira na FEUSP podemos conhecer diferentes propostas e leituras de brincadeiras, refletir o contexto cultural em que a brincadeira se insere, evocar outras gerações e costumes, aumentar o repertório de conhecimentos sobre práticas e aspectos sócio-culturais que elas trazem. No contexto infantil isso ainda toma uma dimensão diversa de conhecimento de mundo para a criança, permitindo que seu conhecimento seja mais amplo e menos manipulado culturalmente.
Para a formação de professores estes aspectos e reflexões são muito importantes, pois é comum perceber que as atividades propostas são majoritariamente pré-estabelecidas, com o intuito de desenvolver determinadas competências, com pouco diálogo relativo às questões trazidas pelas turmas, monopolizado pelo adulto, tornando o trabalho menos diverso e rico do que poderia.
Textos: “Brincadeira é cultura”. Carvalho, A.M.A. et all, NEIRA, M. G. “As brincadeiras na escola”, “Orientações Didáticas” e “Relato de Experiência”. In: Práticas corporais: brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. São Paulo: Melhoramentos, 2014. p. 33-55.